Quando foi chamado para negociar as contrapartidas do Estado português na barragem de Cahora Bassa, em Moçambique, Luís Mira Amaral deparou-se com interlocutores "muito desconfiados".
O gelo tinha de ser quebrado e, por isso, pediu ao fundador e presidente da Visabeira para intervir. "Era amigo do ministro de Energia moçambicano, tinha boas ligações por lá", conta. Fernando Campos Nunes organizou um jantar a três em Lisboa e, a partir desse momento, "acabaram-se os obstáculos".
O episódio, que, em 2005, tirou o ex-ministro português de um beco com difícil saída, traduz bem a forma como o empresário de Viseu, que agora ataca em força o sector da cerâmica, conduz os negócios.
Apesar de fugir aos holofotes, recusando-se a falar com jornalistas porque, dizem pessoas próximas, não gosta de estar sob constante avaliação, sabe movimentar-se nos bastidores. Aos 52 anos, lidera aquilo a que se pode chamar um império, à escala nacional.
O episódio, que, em 2005, tirou o ex-ministro português de um beco com difícil saída, traduz bem a forma como o empresário de Viseu, que agora ataca em força o sector da cerâmica, conduz os negócios.
Apesar de fugir aos holofotes, recusando-se a falar com jornalistas porque, dizem pessoas próximas, não gosta de estar sob constante avaliação, sabe movimentar-se nos bastidores. Aos 52 anos, lidera aquilo a que se pode chamar um império, à escala nacional.
A empresa que criou com o irmão Daniel, em 1980, deixou rapidamente o estatuto regional, à custa de boas oportunidades de mercado. Das comunicações, passou para o turismo, a indústria, o mobiliário.
E, de Portugal, fez a ponte para Moçambique, Angola e mais dez países, como Espanha, França, Argélia e Marrocos. Agora, volta-se para a cerâmica. Marcas históricas como Vista Alegre, Atlantis e Bordalo Pinheiro, prejudicadas pela concorrência asiática e pela crise, são activos apetecíveis, sobretudo para um grupo tão ávido quanto a Visabeira.
Há, por isso, quem tema a absorção destas empresas pelo grupo, argumentando que são demasiado valiosas para o país para serem vistas como sementes de dinheiro. A verdade é que, no que diz respeito à Vista Alegre Atlantis, é quase certo que o vencedor seja Campos Nunes, engenheiro de formação.
Há, por isso, quem tema a absorção destas empresas pelo grupo, argumentando que são demasiado valiosas para o país para serem vistas como sementes de dinheiro. A verdade é que, no que diz respeito à Vista Alegre Atlantis, é quase certo que o vencedor seja Campos Nunes, engenheiro de formação.
Além de já ter do seu lado a maioria dos accionistas, viu a oferta pública de aquisição receber luz verde da Autoridade da Concorrência. Quanto à Bordalo Pinheiro, corre que será um dos principais candidatos a salvar a empresa. O presidente e maior accionista da Visabeira, casado e com dois filhos, nunca foi homem de grande visibilidade pública. A discrição já vem do tempo em que geria a empresa com Daniel Campos Nunes.
"O irmão tinha mais perfil de líder e o Fernando era o homem que ficava na retaguarda", diz o presidente da Câmara de Viseu. Foi também por isso que, quando, em 1986, Daniel teve um acidente de viação fatal, "se comentava que seria o fim do grupo", conta Fernando Ruas.
"Era jovem e o negócio já tinha alguma dimensão. Era um barco demasiado grande de carregar". Campos Nunes não só o carregou, como conseguiu pô-lo a navegar em velocidade cruzeiro. Quando o irmão faleceu, o negócio inicial da empresa, as comunicações, começava a dar passos mais certeiros, impulsionado pela modernização das redes de electricidade da EDP e pela introdução da TV Cabo, detida pela PT, em território nacional.
No final da década, já a Visabeira se tinha partido em várias partes, explorando a área do turismo e da indústria com "subholdings" próprias, e já África fazia parte do mapa.
CGD e API no capital
Recatada e ágil, à imagem do seu presidente, a Visabeira chegou a 2007 com um volume de negócios de 461 milhões de euros, 4200 trabalhadores e perto de 50 subsidiárias. Pelo caminho houve quem reparasse na sua tímida ascensão. Foi o caso da Agência Portuguesa para o Investimento (API) e da Caixa Geral de Depósitos que, em 2005, se tornaram seus accionistas, detendo hoje, respectivamente, 16 e 9,8 por cento do capital. Foi nesse contexto que Basílio Horta, presidente da Agência Portuguesa para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), conheceu melhor Campos Nunes.
"Fui deputado por Viseu durante oito anos, mas não tinha ligação a ele. Só quando cheguei à agência, que tinha tomado a excelente decisão de investir na Visabeira, é que intensificámos o contacto", explica. Satisfeito com a "visão" e "a segurança nos passos dados pelo gestor", destaca, entre os seus principais traços de personalidade, a "disponibilidade".
"É rara a vez em que não marca presença quando membros de governos estrangeiros vêm a Portugal", conta. E o contrário também se passa, a julgar pela lista de comitivas que já integrou: foi com Jorge Sampaio à Turquia, em 2003, com José Sócrates a Angola, em 2006, e com Cavaco Silva à Índia, no ano seguinte. Foi numa destas viagens que o também assíduo Henrique Neto, presidente da Iberomoldes, o conheceu.
Não são propriamente amigos, mas tiveram oportunidade de "trocar impressões". O empresário da Marinha Grande diz que "não é adepto dos grandes conglomerados, de empresas que vão saltando de negócio em negócio de forma mais oportunista". Afirma que a Visabeira tem apenas o objectivo de "ganhar dinheiro" e é, por isso, um dos opositores à compra da Vista Alegre Atlantis. "Se me perguntarem se é a empresa com o perfil indicado para comprar uma marca com tanta relevância para o país, teria de dizer que não", remata.
Ninguém nega que Campos Nunes é um homem ambicioso, nem mesmo os amigos mais próximos. Jorge Coelho, agora presidente executivo da construtora Mota-Engil, também nascido em Viseu, elogia-lhe a "ambição corajosa", característica que "deveria ser comum a todos os empresários". "Arrisca e investe. Não pára. É um grande exemplo de determinação", acrescenta.
O ex-ministro das Obras Públicas, que conhece o fundador da Visabeira há mais de 20 anos, concorda que a relação próxima com pessoas bem colocadas sempre fez parte do "modus operandi" do amigo, "como é normal na vida de um empresário".
Lembra, por exemplo, a recente inauguração de um "resort" turístico em Moçambique, onde estiveram o Presidente da República e 13 ministros. "Sei como é preciso trabalhar para chegar a esse nível", desabafa Jorge Coelho. Há ainda outros sinais da visibilidade que Campos Nunes foi ganhando, a partir de Viseu, onde nasceu, na pequena freguesia de Santos Evos, de onde os pais são oriundos. Este homem que, em 2008, constava na posição 51 na lista dos mais ricos do país, com uma fortuna avaliada em 229 milhões de euros, é Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.
Mesmo em Viseu, onde é conhecido por "Eng. Fernando da Visabeira", sempre se mostrou "low-profile", diz Fernando Ruas. Todos sabem que almoça por vezes no hotel Montebelo, unidade do grupo localizada na zona histórica, onde fecha alguns negócios. Mas poucos o conhecem.
Na inauguração do Palácio do Gelo, projecto de recuperação avaliado em 90 milhões de euros que dizem ser a sua "menina dos olhos", Campos Nunes "apareceu, mas não falou". Mira Amaral prefere descrevê-lo como um "empresário 'low-profile'", que mostrou ser mais do que as pessoas julgavam. Quando estava no Governo, lembra-se de ter rejeitado uma candidatura da Visabeira a fundos do PEDIP, programa de desenvolvimento da indústria.
"Tivemos hesitação em financiá-lo". A empresa reclamou e acabou por ser apoiada. Anos depois, o ex-ministro da Indústria reencontrou o grupo em Angola.
"Tive de reconhecer que estavam a fazer um trabalho exemplar. O desenvolvimento e serviço da TV por cabo lá era muito melhor do que em Portugal". Um dos trunfos de Campos Nunes sempre foi rodear-se das pessoas certas. Tem como braço direito Pedro Reis, o director financeiro, e como homem de acção Paulo Varela, o responsável máximo da Visabeira Global, a empresa que querem levar para a bolsa. Este último, que assumiu, ainda que informalmente, a imagem de porta-voz, reconhece-lhe "o elevado grau de exigência", acrescentando que "não basta dar-lhe informações genéricas sobre as operações".
A mulher, Ana Paula, é a directora de recursos humanos, e, no exterior, não lhe faltam apoios. Gere um pequeno império, mas reconhecem-lhe simplicidade. Talvez porque nunca quis sair da retaguarda.
Por Raquel de Almeida Correia in Jornal Público (Suplemento de Economia) de 27-02-2009
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