sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

João Pais: Campeão Nacional no Desafio Elf/Mazda

João Pais de 25 anos, natural de Viseu, piloto de Todo-o-Terreno saltou para a ribalta informativa ao tornar-se o melhor português na prova 24 horas TT (Todo-o-Terreno) – Fronteira. Na conhecida vila alentejana conquistou o terceiro lugar na classificação geral e, também nessa prova, sagrou-se Campeão Nacional no Desafio Elf/Mazda. Aos quatro anos acompanhava o pai nos quatro dias do Rally de Portugal. Hoje reconhece que é ele o grande responsável pelo sucesso, e justifica em tom sorridente que o levava aos karts e o pôs a conduzir com oito anos, no Autódromo do Estoril.

Quando terminou a prova disse que ainda não estava em si. Quando tempo demorou para avaliar a vitória conseguida?
Só quando olho para o papel é que acredito, porque ainda hoje estou um bocado a digerir toda esta vitória que tem sido muito agradável, as pessoas em Viseu têm sido fantásticas. Vou na rua, abordam-me e dão-me os parabéns. Quando acabei a prova só pensava: a dificuldade toda que foi, durante este ano, numa altura de crise, os esforços que fizemos para estar ali, os patrocinadores de um lado e do outro a tentarem ajudar para que este projecto nunca parasse e sempre a acreditarem. E, de repente, chegamos ao final, atingimos um objectivo que no início do ano nunca pensámos, em que além de sermos terceiros na geral, somos melhor português, no agrupamento T 1, primeiro carro a diesel e segundo na classificação do memorial José Megre.

São vários títulos numa mesma prova.
O meu pai dizia: "em 24 horas trazemos tantos canecos para casa" e a verdade foi essa.

O que é uma prova como as 24 Horas TT de Fronteira?
É uma prova que necessita de uma preparação física e psicológica muito boa.

Faz por isso?
Faço ginásio regularmente, embora não goste muito de correr sem sair do mesmo sítio e de estar trancado em salas (risos). Mas quando queremos levar as coisas a sério, temos que saber tratar do nosso corpo, assim como a alimentação… tudo é importante nas corridas.

Quem está fora da corrida pensa que estar sentado ao volante não exige grande esforço.
É o contrário. Numa corrida como eu fiz – o Transibérico – que são quatro dias onde fazemos 2500 quilómetros, quantas passagens de caixa é que faço? Portanto, quantas vezes é que a minha perna esquerda trabalha na embraiagem, quantas vezes trabalha no travão, quantas vezes é que o meu pé direito trabalha no acelerador e no travão? A minha mão direita quantas vezes vai à manete? Depois, utilizamos um sistema para protecção da cervical, que vai por cima dos cintos e quase nos imobiliza a cabeça. Temos que suportar o peso do capacete no pescoço, mais os cintos, as pancadas dos buracos… de tudo. Ou estamos fisicamente bem preparados ou não se aguenta.

Como faz para se preparar psicologicamente?
A corrida é sempre em Dezembro ou Novembro. São oito da noite e dá-nos a sensação de nos encostarmos e dizer: "já é meia-noite", mas olha-se para o relógio e são seis da tarde. Para aguentar as primeiras horas que são sempre as mais emocionantes, é importante conseguirmos manter-nos calmos, essencialmente não mostrar que não estamos calmos.

A prova, como o nome indica, é o carro a andar 24 horas?
Temos turnos que não podem exceder três horas, cada piloto só pode fazer 12 horas no máximo e todos os pilotos têm que fazer uma volta completa no mínimo (15 quilómetros). Fazemos normalmente turnos que duram duas horas e 45 minutos.

Quantas pessoas mais se envolvem na equipa numa prova destas?
Quatro pilotos e mais 20 pessoas por fora, contando com os mecânicos, apoio logístico, cozinheiros.

A prova obriga a uma alimentação especial?
É preciso ter muito cuidado com o que se come (durante a prova) senão há más disposições e é perigoso.

O que come durante a prova?
Tudo à base de massas, arroz, um bocadinho de carne grelhada e muitos líquidos.

Os jornalistas mostraram muita admiração por na sua equipa haver participantes a correr pela primeira vez. Esse também foi um segredo?
Além de ser um segredo, nunca pensámos chegar à última prova do campeonato e poder lutar pelo título, felizmente os nossos mecânicos fizeram um trabalho de evolução da carrinha excepcional. Escolhi o meu pai (António Pais) porque quis dar-lhe a oportunidade de um dia vir a correr. Escolhi o Francisco Cabral que é a pessoa que me tem acompanhado ao longo da minha carreira. Foi um dos meus navegadores que me ensinou muito do que é estar nas corridas, tem muitos títulos nacionais, este ano voltou a ser campeão nacional de ralis. O João Rato, outro meu navegador foi comigo correr porque aceitou vir comigo e o que sabe fazer muito bem é conduzir.

Qual foi o segredo da gestão da corrida?
Foi feito por um profissional brilhante que temos em Viseu, chamado Paulo Torres, um grande co-piloto que sabe muito da táctica da corrida. Fez uma gestão de equipa perfeita.

O troféu Elf/Mazda onde se sagrou campeão foi outro desafio?
Desafio é mesmo a palavra correcta, porque em ano de crise lançar um troféu, é fantástico. Jorge Natário, da Mazda Motores de Portugal é um guerreiro. Consegue arranjar um patrocínio para um projecto, consegue arranjar pilotos para virem para o mercado, faz todo um trabalho de marketing impressionante. Depois, chegamos a Fronteira e temos sete carros a correr, quando andamos hoje em campeonatos com corridas 16 inscritos, onde já houve 80. As organizações das provas devem ter isso em conta e dar condições para que este troféu continue, ou seja, criar condições para que os pilotos se possam inscrever a baixo custo. É uma aposta e, ao baixarem os preços, faz com que tenham mais inscritos.

Como é que Viseu consegue ter um piloto dedicado ao desporto automóvel a tempo inteiro?
Com a ajuda de várias empresas, de vários amigos, com muita dificuldade e com muita dedicação quer dos patrocinadores, quer dos pilotos, quer dos co-pilotos e com uma esquipa de mecânicos fantástica.

Quem são esses mecânicos excepcionais?
São de Mafra. O chefe é o Helder Santos. Foi uma aposta que fiz neles, certa da minha parte. São pessoas muito experientes que trabalham com um profissionalismo e uma dedicação incrível. E são meus amigos antes de serem mecânicos. No dia em que as pessoas virem as coisas só como um negócio e não andarem lá porque gostam, dificilmente vão conseguir triunfar.

A assistência é tão boa que durante as provas pouca necessidade teve de receber assistência.
Exactamente. Foram sete carrinhas à chegada, as mesmas que estavam na partida. Todas terminaram e isso é uma prova de fiabilidade impressionante.

Como é que um piloto do interior consegue os apoios?
No meu caso, recorri aos amigos que tinham empresas. Uma vez ajudava um, outra vez ajudava outro. Como é que se angaria um patrocínio forte? Não sei, nunca o tive, espero ter essa oportunidade, para que possa dar um salto na minha carreira e possa mostrar um bocado mais do meu potencial.

A vitória em Fronteira está a abrir portas?
Começaram a abrir-se algumas portas, começaram a surgir alguns contactos. Vamos ver. Vamo-nos manter na expectativa e, no momento certo, anunciaremos o que vamos fazer em 2010.

A continuidade no troféu Elf/Mazda está assegurada?
Não está assegurada mas muito bem encaminha e gostava de permanecer no desafio Mazda porque é um desafio muito bem organizado. Para o ano vai ser melhor, vai-se tornar mais competitivo e isso faz com que se torne mais interessante para nós pilotos, dá-nos mais visibilidade e dá mais visibilidade à marca.

Qual é o sonho de João Pais piloto?
Continuar com os pés bem assentes na terra e poder continuar a ser o João Pais a quem dão a oportunidade de pilotar.

Porque diz que a sua carreira começou como uma brincadeira?
Começou com uma brincadeira do meu pai que, tinha eu oito anos, estávamos de visita ao Autódromo do Estoril e decidiu ensinar-me a conduzir o carro dele - que já era um jipe curiosamente – e eu quase não chegava ao pés ao pedais e para embraiar tinha que me pôr de pé. Portanto, comecei a conduzir um carro sozinho, aos oito anos, no Autódromo do Estoril. Depois começou a levar-me aos Karts, eu tinha jeito, e fui andando.

Vai continuar no todo-o-terreno ou pensa avançar para outra categoria?
Sempre ambicionei muito mais ser piloto de Todo-o-Terreno do que de ralis, mas se surgir a hipótese de ralis ou de velocidade, não estão fora do baralho. Penso que conseguia adaptar a minha condução a vários estilos. Voltar às pistas não iria ser uma surpresa. Se quero continuar no Todo-o-Terreno ou se gostava que a minha carreira se limitasse ao todo-o-terreno? Sim. Gostava de um dia fazer parte de uma equipa oficial e fazer um Argentina-Chile. Neste momento não me sinto capacitado para isso, mas se calhar daqui a dois anos gostaria de ter essa oportunidade.

Já tem planos para a próxima prova?
O campeonato acabou, vai regressar em 2010. Ainda nem sabemos ao certo o nosso projecto para 2010, portanto, não podemos fazer projectos para a próxima corrida.

Correr vai de certeza?
Espero continuar a poder dar aos meus conterrâneos a alegria de verem um viseense nas corridas, não sei se a ganhar, mas pelo menos nas corridas.

Antes de Fronteira queixava-se do seu trabalho não estar a ser reconhecido.
Quando estamos a um ponto de ser campeões, começamos a olhar à nossa volta e não há patrocínios, ficamos tristes com nós próprios, com o momento actual em que a sociedade vive, ficamos revoltados, mas felizmente os amigos não deixaram que isso acontecesse, acreditaram em mim até ao fim.




entrevista in Jornal do Centro de 11-12-2009

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