terça-feira, 21 de agosto de 2007

Viver em Viseu

Segundo um estudo da DECO, Viseu é a cidade portuguesa com melhor qualidade de vida. Até mesmo uma das melhores da Europa para viver, de acordo com um conjunto de parâmetros importantes. Vamos experimentar. Vamos viver para Viseu. Comprar casa, arranjar emprego, hobbies, infantário para os filhos...
Um início de vida em Viseu.

Da janela vê-se: "Papelaria Herculano". Vende livros e revistas, talvez jornais. "Cervejaria Barata": entra um grupo de rapartigas loiras, no intervalo do almoço. Jardim infantil: o vidro da montra tem gravuras de palhaços e um macaco. À porta, duas empregadas, de bata. Lá dentro, uma outra, a lavar o chão. Pára um descapotável. Uma mulher jovem entrega a filha no infantário. Os preços rondam os 300 euros por mês, nos privados, mas não há vagas. Os públicos estão a fechar. A porta seguinte é uma clínica e depois uma oficina de automóveis: "Dom Motor". Na esquina em frente, uma loja de computadores Mac (perfeito) e um cabeleireiro-massagista.
Em cima, roupa a secar numa varanda. Pela janela ao lado vê-se uma cadeira e uma secretária vazia. Apenas uma garrafa de wiskey sobre o tampo. E um copo.

É um belo sítio para começar vida. Rua Alexandre Herculano, sossegada, muito perto do centro. Esta casa está à venda. É um T3 quase novo. Sala espaçosa com amplas janelas e vista desafogada, dois quartos com roupeiros, cozinha equipada. Preço: 125 mil euros. Menos de metade de um andar equivalente em Lisboa. Depois de várias visitas, esta parece a melhor opção. Um T3 numa zona menos central custava 92 mil, um T2 a precisar de obras, 70 mil.

A rua Alexandre Herculano começa perto de uma das rotundas da cidade (que dá acesso às várias saídas, entre as quais a da EN2) e segue até ao Hotel Grão Vasco, mesmo ao lado do Rossio, continuando pela Rua Direita, que desenboca no Largo Mouzinho de Albuquerque, onde fica o Teatro Viriato. A pé, 15 minutos.

Pelo caminho, supermercado "Boi D"Oiro", aberto 24 horas, café "Pão Quente da Avó", 2º Repartição de Finanças, Tesouraria da Fazenda Pública, sistema de senhas, sete pessoas à espera. "Lave o carro como gosta: Clean Park", por baixo de um escritório de advogados. "Noites Brancas - Comprar Compensa": loja de comércio tradicional, aberta até às 23 horas. Livraria "Brinco Livro", Café "Swiss Bar". Mais três cafés, com esplanada, uma casa de tabacos e charutos, mais um instituto de beleza, com massagens.

Cultura e hipermercados Viseu é a cidade dos cafés. No Rossio e nas ruas adjacentes, Rua da Paz, Rua da Vitória, Rua Formosa, na Rua do Comércio e na Rua Direita, há cafés antigos e modernos e pessoas a frequentá-los. Não servem apenas para tomar o pequeno almoço e seguir: servem para passar horas. Para estudar, ler ou conversar. Só pelos cafés, valeria a pena passar umas férias em Viseu. Morando cá, é todo um novo estilo de vida à nossa frente.

Passear pelas ruas é outro desporto na moda em Viseu. Nas lojas, os empregados são afáveis e profissionais como em nenhuma outra cidade do país. Mesmo quando não se compra nada. Parecem achar que vale sempre a pena conversar e apostar num cliente futuro.



Mas não é só por isso que as ruas estão cheias. É que é lá que as coisas a contecem. Subindo do Rossio, no Mercado 1º de Maio, há uma Feira do Livro e logo a seguir, antes da Catedral e do Museu Grão Vasco, realiza-se esta noite um concerto de jazz ao ar livre.

No Museu Grão Vasco, aliás, decorre um ciclo de cinema dedicado às artes plásticas


. No Teatro Viriato estão a terminar o espectáculos de dança da escola Lugar Presente e no Auditório Mirita Casimiro houve um concerto de jazz-folk do romeno Caroll.

Na "Livraria da Praça", um espaço para livros, tertúlias semanais e espectáculos no centro histórico da cidade, tem havido debates com personalidades como Pacheco Pereira, Jorge Silva Melo, Alexandre Quintanilha ou Nuno Crato. Mas a Livraria da Praça, num belo edifício entre um jardim e um museu, acaba de fechar, por inviabilidade económica.


Conversa, no café Arcada:

"O Jumbo é uma maravilha!

""Agora já temos o Carrefour, mas o Pingo Doce é que vale a pena!

""Ah, o Jumbo. Viseu já começa a ser uma cidade onde se pode viver".

"Eu perco-me no Jumbo. No Continente, sei onde estão nas coisas, dou-me melhor lá. No Jumbo, ando às voltas, às voltas...

"Conversa no bar do Teatro Viriato:

"O Day After está fechado. Onde vamos?

""Ficamos em casa, se não há discoteca...

""Aquele barzinho na Rua Direita, lembras-te, da outra vez...

""Estou farto de Viseu!

""E tu só vens cá nas férias, imagina eu...
""Isto é fixe, mas, não sei, falta qualquer coisa. Um gajo não sabe o que há-de fazer".

Não falta nada, nas ruas de Viseu. A cidade é fechada sobre si própria, como é normal numa cidade do interior. Não há um mar, nem um grande rio, as praças têm quatro lados. É confortável e protector. Parece que tudo faz sentido.

A rua Alexandre Herculano é ideal. Há de tudo, aqui. À distância de cinco minutos a pé, há uma escola e um hospital. Até uma farmácia, mesmo nos muros do cemitério.

Só falta encontrar emprego. No jornal, há vários anúncios. "Precisa-se cozinheiro. Part-time. Salário acima da média". Outro, no mesmo número de telefone: "Precisa-se empregado de mesa. Part-time. Salário acima da média". Outro: "Imobiliária selecciona consultores. Oportunidade de desenvolvimento pessoal. Retribuições à comissão". Outro ainda: "Admite-se motorista. Carta de pesados, para distribuição". Mais nada. Talvez acumulando a cozinha e o serviço de mesas? Não. Motorista é mais seguro.

Paulo Moura in Jornal Público (21-08-2007)

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