terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Aquilino não foi regicida

Defensor das causas populares, Aquilino Ribeiro pode ser acusado de “algum excesso de militância revolucionária”, mas continuam a não existir, cem anos depois do 1 de Fevereiro de 1908, quaisquer provas que pudessem condená-lo em tribunal como regicida, garante o historiador.

Henrique Almeida, director dos Cadernos Aquilinianos do Centro de Estudos Aquilino Ribeiro, de Viseu, defende que o escritor beirão não pegou numa arma para matar o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro Luís Filipe, apesar de se identificar com o espírito revolucionário do grupo secreto a que pertenciam os regicidas Alfredo Costa e Manuel Buíça.


“Os que pretendem implicar Aquilino no regicídio teriam de associar a esse acto umas largas dezenas de conspiradores que comungavam da disposição de derrubar o regime monárquico”, afirmou Henrique Almeida à Agência Lusa.


O jovem Aquilino, sublinha, “tinha a seu favor uma arma, porventura mais poderosa do que a dos demais, a da escrita”, tendo colaborado quer em artigos para a “A Beira” e sobretudo a “Vanguarda”, quer dando continuidade aos episódios do folhetim de Arnaldo Pereira, “Os Bandidos da Serra da Gardunha”, que lhe explicaram ser uma “história romanceada ou fantasista dos ascendentes de João Franco, bandoleiros dos quatro costados segundo a tradição local”.


Alfredo Costa, chefe de fila dos revolucionários, tinha uma relação de admiração pelo jovem estudante e queria contar com a sua colaboração nas lides jornalísticas da propaganda anarquista.


“Há de facto a intervenção de Aquilino no sentido da denúncia das fragilidades e abusos do poder régio, designadamente na afronta da confiança depositada pelo rei no presidente do Governo”, frisou o estudioso, defensor da versão de que o regicídio “não terá sido um acto premeditado”, mas decidido no local por Buíça e Costa, porque “o alvo a abater” seria mesmo João Franco.Desde que chegou a Lisboa, tinha então 22 anos, Aquilino Ribeiro começou “a partilhar as ideias do meio intelectual, integrando-se gradualmente na ala mais revolucionária do Partido Republicano”. Foi preso a 17 de Novembro de 1907, quando explodiram no seu quarto, na Rua do Carrião, engenhos de fabrico artesanal que tinha acedido em guardar por apenas dois ou três dias, e que, ao serem manipulados, mataram Gonçalves Lopes e Belmonte de Lemos.

“Pôr a revolução na rua”

Nesta altura, é posto a circular o decreto que previa a deportação perpétua para as colónias de indivíduos pronunciados por qualquer delito político ou crime de imprensa. E aqueles que estavam conotados com o movimento revolucionário poderiam ser enviados para as colónias, nomeadamente para Timor, onde não poderiam afrontar o poder régio.


“Esta situação leva a que Aquilino tente desesperadamente fugir da prisão, conseguindo evadir-se a 12 de Janeiro desse ano. É então que procura auxílio junto de Alfredo Costa, tendo-lhe este fornecido refúgio numas águas-furtadas a menos de 200 metros do Ministério do Reino, onde estaria quando a comitiva real chegou ao Terreiro do Paço, vinda de Vila Viçosa”, conta Henrique Almeida.


O relato desse dia é feito pelo escritor na sua obra póstuma “Um Escritor Confessa-se” (1972), onde conta ter estado com Alfredo Costa, que lhe fala dos preparativos da manobra contra João Franco e lhe confia os nomes dos que o iam acompanhar a “pôr a revolução na rua”. Aquilino relata no livro de memórias o seu cepticismo sobre aquele empreendimento e como se apercebeu mais tarde de um tumulto na rua.


“Sofri um baque de vago e aziago pressentimento quando entrou pela janela entreaberta da mansarda uma lufada de sons que me pareceu singular. Abri a vidraça e até onde se podia estender o meu raio visual, quebrado pelo resultado do telhado, vi gente, gente que corria de baixo, singularmente ou por cachos. (...) Depois, as golfadas de gente foram-se multiplicando, e era a população transida, tomada de pânico, a furtar-se, dir-se-ia, a uma hecatombe. Ao mesmo tempo, chegou-me aos ouvidos uma zoada, cortada de gritos e estridências que me não soube explicar. E disse para comigo: então sempre era a sério?”, escreve.

“Lápides Partidas”


Com algumas variantes, o assunto é abordado na obra de ficção “Lápides Partidas”, ainda que tenha um forte pendor autobiográfico. Muitas das suas personagens, refere Henrique Almeida, podem ser identificadas “a partir do discurso historiográfico”: há o Libório Barradas, que tal como Aquilino trocara o ambiente serrano pela capital, e também Uriel Roliça e Manfredo Bemposta, que facilmente poderão ser identificados com Manuel Buíça e Alfredo Costa.

É precisamente a uma afirmação de Libório Barradas que se agarram os monárquicos para acusar Aquilino Ribeiro de estar implicado no regicídio: “que ninguém o saiba, mas eu ajudei a matar o rei, confesso-o aqui à mesa da consciência. Ninguém o soube, ninguém me viu, respiro”.


Henrique Almeida disse à Lusa não poder tomar-se essa afirmação de forma isolada, mais ainda sem atender ao “registo ficcional” e, nesse passo, “à percepção da personagem das consequências, tomadas como inesperadas, dos actos de insurreição que levariam à queda do regime”.


“Mas, numa visão ideológica, há ali um enaltecimento do papel activo na implantação do regime republicano”, considera, reiterando que, “historicamente, não há prova alguma de que ele teve uma acção no atentado contra a figura de Estado”.


Por isso, para Henrique Almeida, a imagem do escritor não vai ficar afectada com as comemorações do centenário do regicídio. Aquilino continuará a ser visto como um “homem de acção” que usou a arma da escrita em nome dos “movimentos populares” e que, querendo defender essas causas, sentiu na pele a falta de liberdade de expressão.
in Jornal As Beiras (29-01-2008)

1 comentário:

Anónimo disse...

Aquilino para tentar apagar a história?
Segundo o historiador Rui Ramos, a compra das armas do regicídio foi financiada por monárquicos, entre eles José Maria de Alpoim e o seu amigo Francisco de Herédia, visconde da Ribeira Brava, que arranjaram dinheiro para comprar espin­gardas e pistolas, mas era pre­ciso alguém que as disparasse.O visconde de Ribeira Brava é antepassado directo de Isabel Herédia, mulher de Duarte Pio de Bragança.