segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

D. António Alves Martins

O político e bispo D. Alves Martins é lembrado em Viseu, onde viveu grande parte da sua vida e morreu. As comemorações começam hoje, dia em que se assinala o bi-centenário do seu nascimento. Apesar de ter nascido em terras transmontanas (Granja de Alijó, a 18 de Fevereiro de 1808), Alves Martins foi uma figura marcante de Viseu, onde deu nome ao liceu e tem erigida uma estátua, no Largo de Santa Cristina, local onde esteve para ser fuzilado por motivos políticos. Na estátua, uma placa com duas frases reveladoras da incomodidade das suas palavras: "A religião quer-se como o sal na comida: nem de mais, nem de menos" e "Na minha diocese quero padres para amarem a Deus na pessoa do próximo, não quero jesuítas que vivam a explorar o próximo em nome de Deus".

Foi enquanto ministro do Reino, cargo que assumiu em 1868, que Alves Martins deu o impulso ao então Liceu de Viseu – que em 1911 passou a chamar-se Liceu Alves Martins – elevando-o à primeira classe e cedendo-lhe, gratuitamente, instalações condignas no Paço dos Três Escalões (onde hoje funciona o Museu Grão Vasco), que então era ocupado pela administração do concelho, fazenda, câmara e tribunal da comarca.

Por tanto dever a esta figura, o liceu, que hoje se chama Escola Secundária Alves Martins, promoveu um programa de comemorações do bi-centenário do seu nascimento, que arranca segunda-feira e se estende até ao final do ano, contando com a parceria da autarquia, do Governo Civil e da Diocese.

"Teve um papel muito importante na valorização do Liceu de Viseu, mas a acção dele não ficou por aqui", frisou à Agência Lusa Brito Castro, presidente do conselho executivo da escola.

Defensor das ideias liberais

Brito Castro destacou a sua dimensão de "político defensor das ideias liberais" e de "homem dotado de um forte sentimento humanitário, sendo consensual que apoiava todas as pessoas que na altura precisavam".

Nuno Pestana, professor da escola e membro da comissão das comemorações, explicou que, para segunda-feira de manhã, está prevista uma estafeta em ritmo brando entre os vários edifícios e lugares ligados à vida e memória de Alves Martins, aberta a todos os cidadãos que se queiram associar e onde, no final, não haverá vencedores. "Queremos ir à cidade e chamar a atenção das pessoas para esta figura", justificou.

Moralistas retiraram o seu nome ao liceu

Segundo as actas do Liceu de Viseu, por volta de 1937 as inscrições de Alves Martins foram acusadas de ter uma influência perniciosa na juventude. "Houve um movimento de pretensa moralização que culminou na retirada do nome de Alves Martins ao Liceu. O seu pensamento muito aberto, muito frontal e muito arejado levou a que não tenha caído muito bem nalgumas mentes, embora na altura figuras importantes de Viseu e do liceu tivessem feito a sua defesa", contou, acrescentando que o nome do bispo só foi reposto no liceu no pós 25 de Abril.

Entre as suas várias actividades, Alves Martins foi capelão na Armada, deputado, professor, enfermeiro-mor do Hospital de S. José, escritor e jornalista, além de bispo de Viseu, líder do Partido Reformista e ministro do Reino.Vários episódios demonstram a sua forma de estar na vida: recusou a comenda com que D. Pedro V pretendia premiar os seus serviços como enfermeiro-mor com o argumento de que "o simples cumprimento de um dever não torna ninguém credor de qualquer recompensa" e, já bispo de Viseu, incorreu em desobediência eclesiástica ao negar-se assinar a circular em que os bispos confirmavam a fé na infalibilidade pontifícia.

Alves Martins foi lembrado por vários escritores. Camilo Castelo Branco dedicou-lhe um esboço biográfico, destacando a faceta de jornalista e dizendo ser apreciador da sua escrita polémica. Aquilino Ribeiro destinou várias páginas da obra "Arcas Encoiradas" ao dia da inauguração da estátua, em 1911, nomeadamente as peripécias com a sua queda quando estava a ser içada, que a deixou danificada.

Escreveu o escritor que, na estátua, ficou para sempre "o bispo admirável, de ar severo, mas não façanhudo nem importante, teso e bem vertical, como era próprio da sua espinha e carácter".

Programa de comemorações

Na tarde de hoje terá lugar a conferência "No tempo de Alves Martins", por Isabel Vargues, da Universidade de Coimbra, e será inaugurada a exposição "Escritos e iconografia em torno de Alves Martins", que contou com a colaboração dos Arquivo Distrital de Viseu.

"A exposição mostrará as várias dimensões de Alves Martins, enquanto bispo, patrono da escola e político", explicou Nuno Pestana, acrescentando que poderá depois entrar em itinerância por entidades do concelho que a queiram aproveitar. Estão a ser pensadas várias outras iniciativas até ao final do ano, como momentos musicais e umas jornadas de reflexão, em Maio, no actual Solar do Vinho do Dão, que era o antigo Paço do Fontelo, onde Alves Martins morou e faleceu a 5 de Fevereiro de 1882, com quase 74 anos.

in Diário As Beiras (18-02-2008)

...artigo de opinião...

A 18 de Fevereiro de 1808, nascia, na Granja de Alijó, António Alves Martins que veio a ser bispo de Viseu, político de nomeada e cidadão de corpo inteiro.
Hoje, passam assim 200 anos obre o seu nascimento.
A Assembleia da República, por decisão do seu presidente, dr. Jaime Gama, vai prestar-lhe pública homenagem, com a presença do bispo de Viseu e dos deputados e autarcas de Vila Real e Viseu.

A AVIS - Associação para o Debate de Ideias e Concretizações Culturais de Viseu editou um álbum evocativo a ser distribuído na Assembleia da República. António Alves Martins entrou aos 16 ano para o Convento da Ordem Terceira de S. Francisco, vestindo o hábito de professo franciscano a 21 de Maio de 1825.
Foi depois estudar Filosofia para Évora, no Colégio do Espírito Santo e, em Outubro de 1826, matriculou-se no Colégio das Artes, em Coimbra, em Filosofia, Teologia e Matemática. Em 1842, passou a leccionar no Liceu do Porto as disciplinas de Geografia, Cronologia e História. Nesse ano, entrou para o Parlamento como deputado por Trás-os-Montes. Foi parlamentar nas legislaturas de 1842/45, 1851/56, 1858/1864, em representação do Partido Reformista.
Em finais de 1852, foi nomeado lente de Teologia, mas renunciou preferindo um canonicato na Sé Patriarcal de Lisboa e, em 2 de Julho de 1862, foi nomeado bispo de Viseu, sendo sagrado a 1 de Novembro de 1862, dando entrada solenemente na diocese em 29 de Janeiro de 1863.Par do Reino desde 1864, foi ministro do Reino de 22 de Julho de 1868 a 11 de Agosto de 1869, ministro do Reino e dos Negócios da Instrução Pública de 27 de Agosto de 1870 a 30 de Janeiro de 1871 e, por três vezes, interinamente, sobraçou o Ministério da Justiça (22 de Julho a 16 de Agosto de 1868, de 18 de Junho a 24 de Julho de 1869 e de 16 de Setembro a 1 de Novembro de 1870.
Foi um prelado amigo do povo, demasiado amigo do povo, o que levou a que aquando da sua morte todos os restantes bispos se recusassem a presidir ao seu funeral, foi preciso vir o bispo de Bragança que se encontrava extremamente debilitado para o fazer. Mas, na cidade, quase ninguém ficou em casa e uma multidão acompanhou-o ao cemitério. Ora, diz o povo, "os pobres só choram pelos bons".
Claro que de permeio com tudo isto esteve a política. D. Alves Martins foi um liberal assumido. Já enquanto estudante de Coimbra, foi preso e condenado a ser fuzilado no Terreiro de Santa Cristina, em Viseu, em 1834, salvou-se in extremis por ter conseguido evadir-se da cadeia com mais três companheiros.
Foi depois panfletário e jornalista distinto, lutando pelos seus ideais de verdade, justiça, caridade e liberdade. Mas, acima de tudo, foi estadista, tendo sido deputado e ministro do Reino entre 1868 e 1870. Dele disse na Câmara dos Deputados, em 19 de Janeiro de 1907, o dr. António José de Almeida, que viria a ser presidente da República " O bispo de Viseu merece todas as considerações. Foi um grande patriota, um grande liberal e um grande homem de bem ".D. Alves Martins morreu pobre, no Paço Episcopal do Fontelo, a 5 de Fevereiro de 1882, tendo o seu corpo sido levado para a capela de Santa Marta.
Camilo Castelo Branco haveria de escrever, em 1870, o esboço biográfico de D. António Alves Martins, bispo de Viseu e na carta de pêsames, de 13 de Fevereiro de 1882, enviada à irmã do prelado após a morte deste, haveria de escrever "Nunca, neste país, faleceu um homem da alta esfera do sr. bispo que deixasse uma memória tão sem nódoas e uma pobreza tão rica de exemplos de virtude."


Júlio Cruz (Secretário-geral da AVIS - Associação para o Debate de Ideias e Concretizações Culturais de Viseu) in Jornal de Notícias de 18-02-2008

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